sexta-feira, 16 de maio de 2014

O cérebro calibrado

A estimulação de áreas cerebrais com eletrodos ou ondas eletromagnéticas começa a ser estudada para tratar a depressão pós-parto e a dislexia O cérebro calibrado A estimulação de áreas cerebrais com eletrodos ou ondas eletromagnéticas começa a ser estudada para tratar a depressão pós-parto e a dislexia Mônica Tarantino
TERAPIA O psiquiatra Marcolin segura a bobina que libera ondas magnéticas controladas O uso de ondas elétricas ou mag­­néticas para regularizar o fun­cionamento cerebral é um recurso que está ganhando força na medicina mundial. O procedimento pode ser feito de várias formas, mas as duas principais são a implantação cirúrgica de um eletrodo em uma área predeterminada do cérebro, de acordo com a necessidade, ou a estimulação com ondas magnéticas emitidas por um aparelho. O primeiro método chama-se estimulação cerebral profunda, ou DBS, sigla de Deep Brain Stimulation, seu nome em inglês. A outra técnica, a que não requer cirurgia, é a estimulação magnética transcraniana (EMT). Nos dois casos, des­car­gas de energia modificam o padrão de trabalho de áreas do cérebro. “São métodos promissores para o tratamento de problemas neurológicos e psiquiátricos”, disse à ISTOÉ Julian Bai­les, diretor do Centro de Cirurgia Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos. Na instituição está em andamento um dos experimentos mais avançados nesse campo. Lá, três pacientes foram submetidos à implantação de eletrodos no cérebro para tratar a obesidade. É o único centro americano que está fazendo esse tipo de estudo. Por determinação do Food and Drug Administration (FDA), a agência americana que regula procedimentos e remédios, essas três pessoas terão de ser observadas durante todo o ano antes que o experimento seja ampliado. Como existem mais de 60 mil possibilidades de ajuste para os pulsos elétricos, os pesquisadores avaliam as reações dos pacientes para determinar a regulagem certa. “Neste momento, os três estão em processo de perda de peso e com saúde boa”, disse à ISTOÉ o neurocirurgião Donald Whiting, um dos coordenadores do estudo.
Uma das pessoas operadas por ele foi a americana Carol Poe, 60 anos. Ela já tinha tentado de tudo para emagrecer, dos remédios à cirurgia bariátrica (a redução do estômago). Desta vez, porém, três dias após a intervenção, havia começado a emagrecer. “Mas nosso objetivo agora nem é propriamente a perda de peso, e sim saber como os indivíduos toleram essa excitação cerebral, que nunca foi feita antes, e conhecer seus efeitos colaterais”, explica Bailes. Nesse caso, a neuroestimulação é feita com o objetivo de equilibrar o funcionamento da região cerebral responsável pela sensação de saciedade. Por isso, os eletrodos foram implantados perto do hipotálamo, estrutura envolvida nesse processo. A meta da intervenção é modular a liberação de substâncias que fazem a comunicação entre neurônios, entre elas a dopamina. Taxas adequadas do composto são importantes para regularizar os mecanismos que levam as pessoas a se sentir satisfeitas e parar de comer. No Brasil, o neurocirurgião carioca Paulo Niemeyer anunciou que poderão ser feitos testes com o método, mas não quis dar detalhes. MENTE O método já é usado na França, Alemanha e Dinamarca para tratar casos de enxaqueca Em estudo há duas décadas, uma das primeiras aplicações da estimulação profunda cerebral foi para tratar a epilepsia. A inserção de um eletrodo no lobo temporal (asssociado à atenção e memória) tem se mostrado eficiente para controlar as crises da doença. A terapêutica também é bastante usada no controle de dores crônicas e para amenizar os movimentos involuntários do mal de Parkinson, relacionados com alterações na dopamina. Neste caso, os pulsos emitidos pelos eletrodos ajudam a regular o sistema motor. Mas, como no caso da obesidade, ainda há muito a ser entendido. “Em cerca de 40% dos casos, a implantação do eletrodo não melhora a situação dos pacientes de Parkinson”, diz o neurocientista Erik Fonoff, do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. Por isso, junto com a colega Camila Dale, ele faz uma pesquisa de ponta para decifrar, em animais, os circuitos percorridos por esses impulsos elétricos e as modificações bioquímicas que promovem. “Nossa investigação pode indicar novas opções de tratamento ou revelar motivos pelos quais esse tipo de tratamento não dá resultado em alguns casos”, diz Fonoff. Sem necessidade de cirurgia, a estimulação cerebral com ondas eletromagnéticas é feita com bobinas colocadas sobre a cabeça. Elas liberam ondas que atravessam o crânio e penetram no cérebro, gerando um estímulo dez mil vezes mais potente do que o campo magnético da Terra. No Brasil, o Grupo de Estimulação Magnética Transcraniana do Hospital das Clínicas de São Paulo, coordenado pelo psiquiatra Marco Antônio Marcolin começou uma pesquisa inédita. Em parceria com a Universidade Estadual de Campinas, o especialista testa os efeitos das ondas magnéticas em crianças com dislexia, um problema caracterizado por distúrbios de aprendizado, linguagem e leitura. Até o momento, não há intervenção ou cura para esse distúrbio. O que se pode fazer é treinar a criança com a ajuda de fonoaudiólogos e psicopedagogos para melhorar sua performance. POTÊNCIA O estímulo gerado pelas ondas que atravessam o crânio é dez mil vezes mais forte do que o campo magnético da Terra O novo estudo, com 40 crianças e jovens com idades entre 7 e 15 anos, é continuação de uma pesquisa com quatro crianças cujos resultados serão publicados em breve na revista “Child Neuropsichology”. “Duas delas apresentaram uma melhora importante na atenção logo após a aplicação da EMT”, diz o especialista. Em outro braço de pesquisa, Marcolin experimentará as ondas magnéticas em jovens com autismo e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Para ajudar no ajuste dos aparelhos a cada paciente, está sendo criado um banco de dados sobre a reação de cada tecido do cérebro aos pulsos magnéticos. “Será pos­sível fazer simulações virtuais para individualizar o tratamento”, diz o engenheiro e psiquiatra Fábio Daro, do Instituto de Psiquiatria da USP. Mais uma aplicação inovadora des­sa tecnologia é o combate à depressão pós-parto, estudo para o qual o Instituto de Psiquiatria está recrutando voluntárias. Uma pesquisa anterior, coordenada por Marcolin e pioneira no mundo, revelou o potencial do tratamento em dez mães com depressão moderada ou severa. “Houve melhora especialmente em funções como a organização mental e no desempenho das atividades diárias”, diz. Neste caso, os estímulos são dados no córtex dorso lateral pré-frontal esquerdo, uma área que trabalha menos do que deveria nas depressões e entra no ritmo adequado sob os pulsos magnéticos. É um estudo crucial para o desenvolvimento de novos tratamentos. Como está comprovada a presença de resíduos de antidepressivos no leite materno, é importante buscar opções não medicamentosas para oferecer às pacientes. img2.jpg DETALHES Os neurocientistas Erick Fonoff e Camila Dale estudam mudanças na química cerebral causadas pela estimulação com eletrodos Atualmente, a EMT é aprovada em países como Alemanha, França e Dinamarca, entre tantos, para o tratamento da depressão. Além disso, é usada em caráter experimental na fase eufórica dos transtornos bipolares (a outra faceta é a depressão), enxaquecas, dores da fibromialgia, zumbido no ouvido e alucinações auditivas de pessoas com esquizofrenia. No Brasil, entretanto, o método está disponível apenas em clínicas particulares e em caráter de pesquisa na rede pública. “Vamos pedir uma revisão ao Conselho Federal de Medicina para que esses tratamentos possam ser oferecidos mais amplamente”, diz o psiquiatra Marcolin. Confira a matéria: http://www.istoe.com.br/reportagens/paginar/56991_O+CEREBRO+CALIBRADO/2

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